28 de setembro de 2011

Música


Chega sem avisar, gotas de sentidos espalhadas entre amores, linhas, e temores. Cadenciada. Tem na delicadeza o segredo da força. Caminha lentamente enquanto corre. Pausa. Pensa.
No escuro das pálpebras, as estrelas. O sol é maior. De lá, da lua, assisto enquanto ela vai. Desaparece imensa, densa. E parte ilustrando o nosso silêncio.

14 de setembro de 2011

Instruções Para dar Corda no Relógio


"Lá no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, pegue com dois dedos o pino da corda, puxe-o suavemente. Agora se abre outro prazo, as árvores soltam suas folhas, os barcos correm regata, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar as brisas da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Que mais quer, que mais quer? Amarre-o depressa a seu pulso, deixe-o bater em liberdade, imite-o anelante. O medo enferruja as âncoras, cada coisa que pôde ser alcançada e foi esquecida começa a corroer as veias do relógio, gangrenando o frio sangue de seus pequenos rubis. E lá no fundo está a morte se não corremos, e chegamos antes e compreendemos que já não tem importância. "
Julio Cortazar 

O Livro Vai ao Rio de Janeiro

Caneta, biquine e sorte. Está tudo na mala e a alegria de quem faz o que ama.
É sábado, dia 17, lançamento carioca do livro de contos "A Medida de Todas as Coisas".
Depois do sucesso e recorde de venda da editora aqui em SP, nossos contos viajam com os 14 autores e aterrizam na Estação das Letras, na cidade mais linda do mundo. Terra abençoada por Deus e cheia de amigos queridos. Não vejo a hora de abraçar cada um de vocês e festejar mais esta conquista.

5 de setembro de 2011

Rocky Spirit


Deitada na grama do Parque Ibirapuera neste final de semana viajei ao coração das trevas de Conrad, o Congo. Fui passageira de bicicletas voadoras em paisagens inacreditavelmente reais. Acompanhei o drama de uma adolescente indiana que graças a uma bicicleta, pode continuar seus estudos e quem sabe um dia continuar também seus sonhos. Heróis de verdade, de carne e osso dividiam não uma sala fechada, mas um gramado comigo. Tudo isso me levou a um lugar. Eu.
Aqui dentro é tão grande e usamos tão pouco. Eu não sou apenas esta pessoa a digitar teclas formando sentidos. Eu sou também cada um de vocês sentado no mesmo gramado, assistindo a outros tantos eus fazendo o que eu e você gostaríamos e deveríamos fazer. Seguindo seus instintos, cuidando do que é nosso. A única coisa que todos os eus temos em comum é este lugar louco, complexo e cheio de paradoxos chamado Terra. Mas um pouco antes de estar aqui, deitada, estava vivendo uma das causas do medo do mundo. Meu carro foi roubado. Uma arma na cabeça, um manobrista no porta-malas e outros quatro carros sendo levados por pessoas que poderiam ter sido também eu e você, mas despencaram de uma montanha chamada descaso e foram para o lado sombrio desta montanha.
Temos todos nossas duas rodas, seja na bike ou no dia a dia. Podemos optar por esperar ou fazer alguma coisa. Quem sabe não seja tão insensato regar a planta que vai nascer no vizinho. Quem sabe se os que desistiram de seus objetivos, soubessem que estavam a um passo de conseguir, as coisas não teriam sido diferentes.
Eu, você, todos somos parte da mesma coisa, que tal cuidar e dividir?
Embora o Rocky Spirit tenha sido um evento maravilhoso, ainda ficou uma dúvida. Porque existem tão poucos a acreditar que deitar olhando as estrelas em plena cidade de São Paulo, para assistir a filmes lindos sem pagar absolutamente nada é um programa descartável? Onde estavam todos que reclamam da poluição, da falta de qualidade de vida? Da falta de opções saudáveis em SP?

1 de setembro de 2011

Toda Errada



Ilustração Larry Fire
Tem horas, como agora, que me sinto toda errada. Na hora errada. Adiantada e atrasada, nunca no meu tempo. 
Soube desde cedo o que queria ser, artista. Só não sabia em que área. Gostava de ler, escrever, pintar, desenhar, bolar casas, jardins, isso fora o circo que antes do primeiro ano de aula fui convencida de que não era para mim.
Fiz faculdade de artes plásticas e antes de me formar já fazia exposições de sucesso. Mas este era o problema, eu era muito jovem para ter talento. Os outros até que acreditavam, mas eu...
Cheguei em Nova York e consegui logo cair nas graças de uma dona de galeria. Ela perguntou se eu seria capaz de pintar dez quadros em três meses. Dei risada e disse que dez quadros, eu costumava pintar em duas semanas. Vinte e um anos e toda aquela imensidão de criatividade e arte me cercando.
Eu saia com meus patins e só o que via era arte. Dos muros do Basquiat espalhados por Manhatan, aos geniais artistas com as barbas longas e brancas vendendo suas telas espetaculares em feirinhas do Village.

Eu bem que tentava lembrar das palavras da Ann, a dona da galeria. “Você tem talento, só precisa focar.” Focar? Como focar naquele paraíso infernal? Como acreditar que de fato, eu, uma menina brasileira de pouco mais que vinte anos entraria numa galeria e venderia mais que os gênios das feiras, fazendo de tudo para ter um ou dois quadros vendidos por semana.
Amanhã seria outro dia, eu pensava. Entrava na linha 4 verde, pulava para a vermelha e saltava na porta do Aaron Brothers, famosa loja de materiais artísticos em China Town.
Dentro da loja, voltava ao paraíso. Eu poderia viver entre aqueles pincéis com cerdas egípcias, marroquinas, alemãs.
As tintas vinham junto com a promessa de muitas telas. E as telas, meu Deus, era preciso paciência para não gastar o dinheiro do mês com telas. Claro que lá dentro eu voltava a ser a melhor aluna da classe, a jovem artista com futuro brilhante.

Eu em Washington Sq. Garden, N.Y.
Bastava sair com a pilha de sacolas e varias telas gigantes para me dar conta de que nem mesmo um taxi eu era capaz de pegar. Pensei em morar em China Town, mas passou logo depois que um motorista indiano apareceu em sua perua tamanho família e me deixou em casa, no Upper East Side, três quadras de distancia do MET (Metropolitan Museum of Art). Não, eu não trocaria as estátuas egípcias e os deuses gregos pelos chineses.

Os dias foram passando, fiquei cada vez melhor sobre as rodinhas dos patins, decorei os mapas do metrô e até o vagão exato para sair em cada ponto da cidade. Fui a todos os museus, feiras e exposições em busca de inspiração. Escrevi a ideia de uns vinte quadros, meus rascunhos eram todos feitos em palavras, eram ideias subjetivas a procura de imagens. Quanto mais eu saia de perto das minhas telas, mais distante ficava da artista que acreditava ser.

Os três meses passaram e logo se transformaram em dois anos. As poucas telas que pintei ficaram esperando companhia para se tornarem exposição, enquanto isso eu estudava gastronomia, arte e trabalhava de bar-tender, o que não deixa de ser um trabalho artístico.
Meses antes de voltar ao Brasil, a segurança de não ter que competir com gênios ( só eu é que acreditava estar competindo) me tranquilizou e mais de quinze quadros foram terminados.

Voltei, e como num passe de mágica eu havia me transformado na brasileira vinda de New York. Vendi todos os quadros na noite da vernissage, e novamente a pouca idade me fez ter certeza de que algo estava errado.

Quinze anos depois estou aqui, depois de lançar um livro de contos e a mais de vinte anos escrevendo, falo que sou escritora e penso. Você não está muito velha para isso? Vejo todos os dias grandes escritores dez anos mais jovens do que eu recebendo prêmios, publicando um livro atrás do outro e eu aqui, encolhida em meus trinta e seis anos, me achando muito velha para isso.