27 de outubro de 2010

A Biblioteca

Já faz quase uma semana que aconteceu. Depois de duas noites arrumando livros me descobri com insônia. Ao redor da escada de caracol , prateleiras de madeira fazem de um cantinho da minha sala, a tão sonhada biblioteca. Com um pano úmido na mão e uma taça de vinho na outra, fui limpando cada um e colocando em seu lugar. Literatura nacional na prateleira do meio, literatura internacional ao lado. Filosofia e mitologia em cima perto de psicologia, arte no canto, história perto dos guias de viagens.


De quando em quando esbarrava num Marcel Proust ou Goethe novinho e lembrava da querida amiga Bel e suas sabias palavras. "Não entendo esta sua mania de comprar a vista livros que vai ler a prazo".

Oscar Wilde com as paginas soltas e todas grifadas. "Posso resistir a tudo, menos a tentação". Separei as pilhas por assuntos e depois, pensei, basta fazer como nas livrarias, colocar tudo em ordem alfabética. Resolvida a questão quanto a ordem alfabética - se por nome ou sobrenome começou o drama.


Vocês já repararam que muitos livros vem com o título e nome do autor de cabeça para baixo? Exatamente, podem acreditar. Pela minha lógica devemos colocar um livro com o nome escrito de baixo para cima, de forma a facilitar a leitura. E agora? Coloco todos de cabeça para cima deixando alguns nomes de cabeça para baixo ou coloco todos os nomes de cabeça para cima e deixo algumas capas de cabeça para baixo?

Peguei o Manuel Bandeira e tentei fugir para Passargada. Lá os livros devem ser todos virados para um lado só e se não forem, basta falar com o rei, de quem sou muito amiga. Um vento forte soprou vindo de Macondo. O velho e o mar sob o vaso com flores ficou encharcado, corri a tempo do salvamento ou Gabo acabaria por se afogar.


Deixei os livros empilhados num canto e fui dormir esperando por um milagre. Depois de tanto pensar, já atormentada pela minha consciência, vi que por hoje o resto seria só silencio. Dei boa noite ao bardo inglês e fui com meu tormento deitar.


Ja sentia quase como o Gregor e suas perninhas de inseto a ponto de não conseguir acomodar o corpo em minha própria cama. O sonho de ter uma biblioteca transformava minha noite em pesadelo. Teria Freud a solução? Quem sabe os gregos? Platão? Com um banquete de idéias minha mente era apenas dúvidas.


No dia seguinte acordei em teoria pois os olhos estavam fechados, a mente aberta e enfiada entre as prateleiras do canto da sala. Como de costume em caso de preocupações ou tormentas, corri para meu pronto socorro e peguei o melhor anti depressivo do planeta. Asics ou Mizuno. Depois da corrida no parque, até o Grito do Munch soou alegre.


Com a ajuda do Oscar (Wilde). "A coerência é a virtude dos imbecis" e da minha amiga Clarice (Lispector). "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada". Resolvi a questão.


Ignorei as capas de cabeça para baixo. Aproveitei e ignorei também o alfabeto, certamente é o que faria Borges. Como poderia separar Clarice de Fernando Sabino, eternos amigos? Ou Picasso de Bratke? E se me perguntarem por Mario Vargas Llosa, mudou-se de prateleira depois da briga com o vizinho Gabriel Garcia Marquez.


Com Tolstoi acabei com a guerra e tudo ficou em paz. Juntos, marxistas e estalinistas, gregos e troianos, Nietzsche e as mulheres. Se na democracia do nosso mundo, nem mesmo pessoas iguais com objetivos idênticos conseguem viver juntas, neste aqui quem manda sou eu. Podem me chamar de ditadora mas lembrem se. A virtude da vida está na harmonia da existência.

Um comentário:

Marcio Pimenta disse...

Tivesse você continuado infinitamente com esta poesía eu seguiria no rastro de suas palavras. Lindo texto e brincadeiras de quem tem intimidade com a leitura.