14 de janeiro de 2011

Do Outro Lado Da Camera


crônica publicada na edição 15 da revista São José Polo

Olha o passarinho. Eu ficava lá parada olhando o buraquinho da rolleyflex esperando algum passarinho sair voando. Demorei muito até entender que esta era apenas uma expressão. E mais tempo ainda para aprender o que significavam expressões. De volta para casa, ficava olhando o mundo passar na janela do carro. Do quebra vento, coisa que meu filho nunca vai saber o que é.

Papai porque é que tem duas faixas amarelas na estrada e depois uma pintadinha de branco? Ele me explicava e eu achava a mágica incrível. Como era possível os homens que pintavam saber a hora exata em que haviam carros vindo na outra direção para que fosse permitido passar ou não? Mesmo quando as faixas duplas ficavam alguns minutos solitárias, logo vinha um carro e eu penava; Nossa, isso é maravilhoso, estas faixas adivinham os carros que vem.


Ele sabia tudo, eu pensava. A primeira vez que vi o viaduto do chá, eu ainda falava 'sa' e devia ser natal pois lembro das luzinhas piscando. Ele contou. "Sabe estas estruturas todas que você está vendo aí?" Imaginei que estrutura deveriam ser as pecinhas que montavam aquela lego gigante. "Elas vieram de navio da Europa, demoraram meses para chegar." Mas e as Luzes papai? "As luzes vieram daqui, mas foram colocadas por pessoas que vieram lá do Nordeste."


Aos finais de semana, entrávamos todos na caravan preta com retrovisor redondo e íamos para a beirada da pista ver os aviões. Aquele ali é um 737 da Transbrasil. O outro mais gordinho que vai pousar agora, é um boing. E o menor que vem ali na frente, está esperando os grandes pousarem, se não, pode cair só com o vento que o maior faz. É um Brasilia, todo fabricado no Brasil. Ele mostrava todos os detalhes e depois voltávamos falando o alfabeto da aeronáutica. Alfa, Bravo, Charles,Delta,Eco,Fox…

Aquele código que pilotos e controladores de voo usam para comunicar "a placa" do avião em qualquer país do mundo. A primeira língua que aprendi de verdade.

Hoje, a caminho do aeroporto, passei pelo viaduto e contei ao meu filho sobre as peças. Ele me perguntou quanto pesava, quanto tempo demorou para chegar, do que eram feitas. Tive medo de me perguntar qual a tecnologia usada na engenharia daquela época. Estávamos indo para fazenda. No avião fomos decorando a língua dos pilotos.


O calor de Cuiabá não mudou nada e logo que desci notei que tampouco o homem que me esperava havia mudado. Vovô, vovô, que avião é aquele ali? Já sei, falou meu filho antes do avô responder. É um Cessna 310. Este é bom para voar baixo, a as asas no alto são melhores para ver a fazenda lá de cima, não é vovô? Agradeci por não ter que responder as próximas perguntas.


Via nos olhos do meu pai a admiração que ele deve ter visto um dia nos meus. As mãozinhas pequenas e magras, como um dia foram as minhas, encontraram abrigo em mãos do tamanho de um mundo de histórias. Deixei os passos dos dois andarem a frente e fiquei parada ali do outro lado da minha câmera Nikon, assistindo cada segundo do que apenas eu sabia, seria eterno.




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