8 de fevereiro de 2011

Esperando o Elevador

Você fala aquele bom dia aprendido com sua avó e a pessoa finge que não é com ela. Vai ver está num dia ruim, ou com tantos pensamentos que nem consegue ouvir , você imagina.
O prédio é pequeno. Oito andares. Dois apartamentos em cada quadradinho chamado de hall. No dia seguinte, enquanto a porta da garagem acaba de abrir para seu carro entrar , repara que a vizinha está saindo apressada do Golf recém estacionado enquanto olha fixamente para o elevador. É provável que ele tenha ouvido seu chamado telepaticamente, pois assim que você para, repara no pedacinho de madeira fechando sua chance de subir. E seu detector de personalidade começa a desentender este sistema de condômino.

O natal está chegando e como de costume, todas as pessoas, até aquelas que normalmente são mal humoradas, ficam mais abertas, mais sensíveis. Bom dia, você fala olhando dentro dos olhos dela e nada. Não ha dúvidas que ela enxerga bem, pois a porta do elevador é sempre um alvo certeiro.  Lá se foi o reveillon, as festas de ano novo e as férias. As crianças cresceram e continuam a sorrir sempre que te encontram. O marido dela também responde ao bom dia, boa tarde e boa noite. Sem maiores conversas, mas com educação, e ela nada. Chega então a hora das contas.
Já faz mais de 6 anos que você divide quase o mesmo endereço com aquela estátua andante. 2.189 dias, no mímino. Ao menos 765 bom dias, ditos no ar e uns 597 oi, tudo bem, boa tarde, ou algo assim jogados ao vento, como dizia a minha cozinheira.
A moça do 84 finge que não te ve. Você é legalmente um fantasma . O terapeuta te aconselha a esquecer. Parar de cumprimentá-la é outra opção. Mas o que pensaria a sua vozinha lá do céu ? Aquela que tantas vezes te ensinou a olhar nos olhos das pessoas e dizer oi?
Roubar o elevador e ter os oito andares só para si dentro do quadradinho espelhado, enquanto ela espera cheia de sacolas na garagem seria outra idéia. Mas e a culpa? Por mais que você tente, não consegue se transformar na mulher ao lado. Não adianta, você faltou as reuniões de condominio e agora está condenada a invisibilidade enquanto durar esta lei que te colocou ao lado a fantasia de Gasparzinho.
Já um pouco desolado, ao abrir a porta você vai se sentindo menor, parece até que encolheu. Mas não desiste do bom dia. Segue cumprindo seu papel de fantasma, agora resignado.
Abre a porta mais devagar, e com o tempo até seus passos transformam-se em falta de barulho. A chave encontra espaço para abrir sua casa como se fosse um intruso da própria residencia. Até que o silêncio da espera do elevador é rompido por gritos do outro lado. 
O fantasma desaparece e fica ali parado, ouvindo. Inerte. “ Não adianta, eu não aguento mais. Assim que as crianças voltarem da escola vou embora. Viver com você é um inferno. Pior que isso, pois nem fogo você tem. Você é a mulher mais vazia que já vi na vida. E ainda perde tempo falando mal do outros. Se encomodando com sorrisos ao invés de aprender com eles e fazer o mesmo. Cansei.”
A voz de homem vai se aproximando da porta. Você parado esperando o elevador. “ Não, por favor” soluça uma voz desconhecida de mulher. Mas já é tarde. O elevador ainda está no térreo e seu vestido vermelho arde nos olhos da mulher que chora.
-Bom dia, você diz com firmesa para o fantasma que aparece por trás do homem na porta. O elevador chega, você abre a porta com calma e espera que a falta de companhia aqueça a porta da vizinha.

2 comentários:

Angela disse...

Sei como é isso e não entendo também. Já tentei de tudo com a minha vizinha, mas ela segue me ignorando. Não só a mim. Já estive no elevador com ela e outras pessoas e os outros não existem para ela. Deixei pra lá e aí ela desapareceu, sumiu mesmo. Nunca mais a vi. Ouço-a chegando, abrindo a porta, fechando, conversando, mas não a vejo. Ela é sombra e em fantasma se transformou. Vazio.
Assim é sua vizinha, que outro dia também me ignorou na garagem e subiu enquanto eu caminhava rapidamente para o elevador.
O medo de conviver é um mal e para algumas pessoas, não há remédio. Beijo

Pedro disse...

Me chamou atenção as palavras para a mulher fantasma. O amor que uma vez começou com um eu te amo agora termina com um eu te odeio, eu te odeio mais que tudo, eu queria nunca ter te conhecido. Daí a importância das palavras.
Ihh eu divagando, já passou da hora de dormir ..rs.
bjos