1 de setembro de 2011

Toda Errada



Ilustração Larry Fire
Tem horas, como agora, que me sinto toda errada. Na hora errada. Adiantada e atrasada, nunca no meu tempo. 
Soube desde cedo o que queria ser, artista. Só não sabia em que área. Gostava de ler, escrever, pintar, desenhar, bolar casas, jardins, isso fora o circo que antes do primeiro ano de aula fui convencida de que não era para mim.
Fiz faculdade de artes plásticas e antes de me formar já fazia exposições de sucesso. Mas este era o problema, eu era muito jovem para ter talento. Os outros até que acreditavam, mas eu...
Cheguei em Nova York e consegui logo cair nas graças de uma dona de galeria. Ela perguntou se eu seria capaz de pintar dez quadros em três meses. Dei risada e disse que dez quadros, eu costumava pintar em duas semanas. Vinte e um anos e toda aquela imensidão de criatividade e arte me cercando.
Eu saia com meus patins e só o que via era arte. Dos muros do Basquiat espalhados por Manhatan, aos geniais artistas com as barbas longas e brancas vendendo suas telas espetaculares em feirinhas do Village.

Eu bem que tentava lembrar das palavras da Ann, a dona da galeria. “Você tem talento, só precisa focar.” Focar? Como focar naquele paraíso infernal? Como acreditar que de fato, eu, uma menina brasileira de pouco mais que vinte anos entraria numa galeria e venderia mais que os gênios das feiras, fazendo de tudo para ter um ou dois quadros vendidos por semana.
Amanhã seria outro dia, eu pensava. Entrava na linha 4 verde, pulava para a vermelha e saltava na porta do Aaron Brothers, famosa loja de materiais artísticos em China Town.
Dentro da loja, voltava ao paraíso. Eu poderia viver entre aqueles pincéis com cerdas egípcias, marroquinas, alemãs.
As tintas vinham junto com a promessa de muitas telas. E as telas, meu Deus, era preciso paciência para não gastar o dinheiro do mês com telas. Claro que lá dentro eu voltava a ser a melhor aluna da classe, a jovem artista com futuro brilhante.

Eu em Washington Sq. Garden, N.Y.
Bastava sair com a pilha de sacolas e varias telas gigantes para me dar conta de que nem mesmo um taxi eu era capaz de pegar. Pensei em morar em China Town, mas passou logo depois que um motorista indiano apareceu em sua perua tamanho família e me deixou em casa, no Upper East Side, três quadras de distancia do MET (Metropolitan Museum of Art). Não, eu não trocaria as estátuas egípcias e os deuses gregos pelos chineses.

Os dias foram passando, fiquei cada vez melhor sobre as rodinhas dos patins, decorei os mapas do metrô e até o vagão exato para sair em cada ponto da cidade. Fui a todos os museus, feiras e exposições em busca de inspiração. Escrevi a ideia de uns vinte quadros, meus rascunhos eram todos feitos em palavras, eram ideias subjetivas a procura de imagens. Quanto mais eu saia de perto das minhas telas, mais distante ficava da artista que acreditava ser.

Os três meses passaram e logo se transformaram em dois anos. As poucas telas que pintei ficaram esperando companhia para se tornarem exposição, enquanto isso eu estudava gastronomia, arte e trabalhava de bar-tender, o que não deixa de ser um trabalho artístico.
Meses antes de voltar ao Brasil, a segurança de não ter que competir com gênios ( só eu é que acreditava estar competindo) me tranquilizou e mais de quinze quadros foram terminados.

Voltei, e como num passe de mágica eu havia me transformado na brasileira vinda de New York. Vendi todos os quadros na noite da vernissage, e novamente a pouca idade me fez ter certeza de que algo estava errado.

Quinze anos depois estou aqui, depois de lançar um livro de contos e a mais de vinte anos escrevendo, falo que sou escritora e penso. Você não está muito velha para isso? Vejo todos os dias grandes escritores dez anos mais jovens do que eu recebendo prêmios, publicando um livro atrás do outro e eu aqui, encolhida em meus trinta e seis anos, me achando muito velha para isso.

Um comentário:

Julio Cesar Corrêa disse...

Giovanna, a literatura é uma das poucas áreas em que quanto mais se envelhece, pode se escrever melhor, devido à experiência, a maturidade. É só ficar antenado com as novas tendências e não deixar de ler. Mesmo que seja escritores 10 anos mais jovens.
bj