Ilustração Larry Fire |
Tem horas, como agora, que me sinto toda errada. Na hora
errada. Adiantada e atrasada, nunca no meu tempo.
Soube desde cedo o que queria ser, artista. Só não sabia em
que área. Gostava de ler, escrever, pintar, desenhar, bolar casas, jardins,
isso fora o circo que antes do primeiro ano de aula fui convencida de que não
era para mim.
Fiz faculdade de artes plásticas e antes de me formar já
fazia exposições de sucesso. Mas este era o problema, eu era muito jovem para
ter talento. Os outros até que acreditavam, mas eu...
Cheguei em Nova York e consegui logo cair nas graças de uma
dona de galeria. Ela perguntou se eu seria capaz de pintar dez quadros em três
meses. Dei risada e disse que dez quadros, eu costumava pintar em duas semanas.
Vinte e um anos e toda aquela imensidão de criatividade e arte me cercando.
Eu saia com meus patins e só o que via era arte. Dos muros
do Basquiat espalhados por Manhatan, aos geniais artistas com as barbas longas
e brancas vendendo suas telas espetaculares em feirinhas do Village.
Eu bem que tentava lembrar das palavras da Ann, a dona da
galeria. “Você tem talento, só precisa focar.” Focar? Como focar naquele
paraíso infernal? Como acreditar que de fato, eu, uma menina brasileira de
pouco mais que vinte anos entraria numa galeria e venderia mais que os gênios
das feiras, fazendo de tudo para ter um ou dois quadros vendidos por semana.
Amanhã seria outro dia, eu pensava. Entrava na linha 4
verde, pulava para a vermelha e saltava na porta do Aaron Brothers, famosa loja
de materiais artísticos em China Town.
Dentro da loja, voltava ao paraíso. Eu poderia viver entre
aqueles pincéis com cerdas egípcias, marroquinas, alemãs.
As tintas vinham junto com a promessa de muitas telas. E as
telas, meu Deus, era preciso paciência para não gastar o dinheiro do mês com
telas. Claro que lá dentro eu voltava a ser a melhor aluna da classe, a jovem
artista com futuro brilhante.
Eu em Washington Sq. Garden, N.Y. |
Bastava sair com a pilha de sacolas e varias telas gigantes
para me dar conta de que nem mesmo um taxi eu era capaz de pegar. Pensei em
morar em China Town, mas passou logo depois que um motorista indiano apareceu
em sua perua tamanho família e me deixou em casa, no Upper East Side, três
quadras de distancia do MET (Metropolitan Museum of Art). Não, eu não trocaria
as estátuas egípcias e os deuses gregos pelos chineses.
Os dias foram passando, fiquei cada vez melhor sobre as
rodinhas dos patins, decorei os mapas do metrô e até o vagão exato para sair em
cada ponto da cidade. Fui a todos os museus, feiras e exposições em busca de
inspiração. Escrevi a ideia de uns vinte quadros, meus rascunhos eram todos
feitos em palavras, eram ideias subjetivas a procura de imagens. Quanto mais eu
saia de perto das minhas telas, mais distante ficava da artista que acreditava
ser.
Os três meses passaram e logo se transformaram em dois anos.
As poucas telas que pintei ficaram esperando companhia para se tornarem
exposição, enquanto isso eu estudava gastronomia, arte e trabalhava de
bar-tender, o que não deixa de ser um trabalho artístico.
Meses antes de voltar ao Brasil, a segurança de não ter que
competir com gênios ( só eu é que acreditava estar competindo) me tranquilizou
e mais de quinze quadros foram terminados.
Voltei, e como num passe de mágica eu havia me transformado
na brasileira vinda de New York. Vendi todos os quadros na noite da vernissage,
e novamente a pouca idade me fez ter certeza de que algo estava errado.
Quinze anos depois estou aqui, depois de lançar um livro de
contos e a mais de vinte anos escrevendo, falo que sou escritora e penso. Você
não está muito velha para isso? Vejo todos os dias grandes escritores dez anos
mais jovens do que eu recebendo prêmios, publicando um livro atrás do outro e
eu aqui, encolhida em meus trinta e seis anos, me achando muito velha para
isso.
Um comentário:
Giovanna, a literatura é uma das poucas áreas em que quanto mais se envelhece, pode se escrever melhor, devido à experiência, a maturidade. É só ficar antenado com as novas tendências e não deixar de ler. Mesmo que seja escritores 10 anos mais jovens.
bj
Postar um comentário