5 de maio de 2005

Heróis de um país cego

Rebelde por natureza, teimosa por convicção, era uma destas adolescentes que não poupam por quês, e economiza obrigada.
Assistindo um dia ao jornal, vê homens, mulheres e crianças chorando, lutando por uma terra, um solo para plantar. Eram milhares que até parecem muitos, mas quando pensa na extensão de terra do país, sofre com a dor da ferida aberta no deserto da consciência da sociedade egoísta.
“Porque não podemos dar um pedacinho de terra para esses coitados?” pergunta à seu pai, que responde. “Coitados somos nós, lutamos por 20 anos, acreditando na promessa do governo de progresso, e agora, somos obrigados a ver ladrões vestidos de heróis.”
Mas não bastou e por muitos anos, sempre assistindo pela televisão, aqueles homens da bandeira vermelha, passaram a ser uma espécie de mártires de um país egoísta.
A adolescente cresceu, passou a ver a vida de perto, sem televisão. Várias viagens a Amazônia com o pai, arrancavam pouco a pouco a nuvem entre a televisão e a realidade, de um povo que luta por suas terras. Sobre seus olhos, solos férteis, produtivos, conquistados a custa de suor, foram tomados pelos coitados a procura de trabalho. Meses depois, as goiabas estavam podres, a horta devastada, e na casa, um homem deitado na rede bebia pinga e fumava um cigarrinho de palha.
Anos depois, de passagem pela capital, na estrada, novamente a bandeira vermelha , prostrada alta voava no ar,trazendo de volta a imagem do homem, da pinga e da plantação.
Chegando à cidade de são Jorge, ouviu no rádio o locutor que inconformado com a violência, até então, não vivenciada por ali, narrava o estupro de uma menina de quatro e outra de seis anos, pelo padrasto e seus amigos bêbados. Os homens, dizia ele, estavam comemorando a vitória da marcha, onde estrategicamente, foram colocadas crianças a frente, de encontro aos policiais e logo atrás, vinham eles, homens do campo, armados com foices e pedras , a reivindicar “suas” terras. Ali naquele momento, a menina, agora mulher pensou de novo na bandeira vermelha, no homem da rede, e nos anos em que viveu num país fictício, fruto de uma verdade fabricada por traspassas políticas, e um marqueteiro de plantão, cheio de idéias maravilhosas para ofuscar a realidade de um país, que apodrece antes de madurecer.

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