26 de agosto de 2006

Celebração do meu dia

Todos os dias acordo junto com o sol e depois de um suco de muitas frutas, saio a caminho do parque do Ibirapuera para a corridinha essencial. É tão cedo que a cidade ainda não está afogada em buzinas e paulistas estressados. Eu ligo o rádio na 103.3 e escuto no programa do Salomão Schwartzman a celebração do dia por Ciro Delnero.
Hoje, meu aniversário, não teve corrida e nem celebração do dia, já que a noite de ontem durou até hoje. Assim, resolvi fazer eu mesma a celebração do meu dia.

...E foi numa manhã do dia 25 de agosto de uma ano qualquer (segundo Oscar Wilde não se deve confiar numa mulher capaz de revelar sua idade, pois ela seria capaz de qualquer coisa) que um casal conheceu uma menininha apressada que chegou de olhos bem abertos e lacinho vermelho nos cabelos inavcreditavelmente longos. A menininha, metade moneira, metade paulista cresceu, rodou o mundo em busca de uma lar e se descobriu em casa em um único luga: O planeta Terra, de onde não pensa em sair, e viva um pouco em cada canto do pontinho azul e bobo.
No mesmo dia 25 de agosto de 1987, algum outro casal começou o dia com um sorriso nostalgico pensando na viagem de um grande poeta chamado Carlos, ao ler no jornal uma crônica deliciosamente fantástica...




Crônica - Carlos Chega ao Céu
E olhando aquele nuvenzaltodo, comenta: Gente, não éque virei mesmo eterno?Lá no céu, Cecília Meireles acorda cedinho. Mais cedo ainda do que de costume, que ela gosta de espiar os querubins tontinhos de sono. Mas hoje é dia especial. Cecília prende os cabelos, depois toma sua homeopatia (será Dulcamara? Daqui não dá pra ver – pode até ser Stramonium) e lava devagar o rosto na água do arco-íris. Bebe seu chazinho de pétalas de rosa branca – amarela não, que dá azia. Escova devagar as asas, pluma por pluma. Só depois de bem bonita é que bate de leve na porta da nuvem ao lado. Dentro, um resmungo mal-humorado.É Vinícius de Moraes, que virou a noite com o arcanjo Gabriel, conhecendo as bocas da zona da Ursa Maior, aquela louca pirada. Mesmo de ressaca, o Poetinha acorda. “É hoje” – sussurra Cecília na janela que Vinícius se espreguiça: “Ô xará, não é que é mesmo hoje” E vai correndo se aprontar.De braços dados, os dói vão bater à porta da nuvem de Manuel Bandeira. Mas nem era preciso. Manuel á está aceso, debruçado na janela, o nariz um pouco vermelho, fungando e tomando café quente que Irene acabou de prepara. “É hoje” – dizem Cecília e Vinícius. Manuel funga: “E eu não sei, gente? Daqui a pouquinho”. Os três ficam em silêncio, o coração deles começa a bater no mesmo compasso (dodecassílabo? Daqui não dá para ouvir direito) então eles olham para baixo, em direção ao planeta Terra, que gira e gira, meio bobo de tão azul.Aí uma nuvem dourada lá embaixo começa a ficar cada vez mais dourada, a chegar cada vez mais perto. Brilha tanto que os três quase se assustam, até reconheceram São Pedro na direção. Que pena, não dá mais tempo de chamar Pedro Nava. A nuvem aterrissa, São Pedro abre a porta. Um pouco encabulado, atrapalhado com as asas, cabeça baixa. Carlos Drummond de Andrade desce e põe os pés n céu. “Não é que virei mesmo eterno?” – comenta, olhando aquele nuvenzal todo. Então vê os três. Tanto tempo, pois é, tanto tempo, pensei que nem vinha mais.Cecília, você não mudou nada, e essa barriga, Poetinha? Não toma jeito, curou a tosse, Bandeira? Ta mais magro, Carlos, e a Dolores? Vai bem, mandou lembranças, qualquer dia chega por aqui. Irene traz mais café, bem preto, bem forte. Vinícius dá um jeitinho de virar no café uma talagada de uísque da garrafinha que carrega sempre, disfarçada sob a asa esquerda. Os quatro brindam, olhos molhados de saudade satisfeita.Depois olham pro mundo aqui de baixo, que girar e gira, todo azul, assim de longe, e esperam um pouquinho, enquanto bebem o café, até conseguirem localizar, entre nuvens, a América do Sul. Custa um pouco para encontrarem , quase no extremo sul dessa América, um pontinho luminoso chamado Porto Alegre e, bem no centro do coração dessa cidade, um velhinho de cara sapeca, parado em frente a um porta-retratos com a foto da Bruna Lombardi. É o Mário Quintana – eles sabem -, ou será o Anjo Malaquias? (isso nunca ninguém soube). Cecília, Vinícius, Manuel e Carlos sorriem mansinho, espiando Mário lá do céu, lá de cima.Mas a Terra – tão azul assim, vista de longe, vista de cima – eles olham com pena. Sabem que pelo menos metade desse azul todo, depois que eles se foram, brota dali, do quartinho do Mário. Aí suspiram, tadinho, que barra! Um anjo torto vem pedir autógrafo de Carlos. “desguia” – avisa Vinícius. – “Um chato, maior aluguel”. Carlos pergunta de Maria Julieta, Manuel diz que leva ele até lá. Cecília tem um almoço com Clarice e Ana Cristina. Vinícius não sabe se dorme mais um pouco ou se pega o Leon Eliachar para irem até a casa de Elis - será que já acordou, a diaba? -, ta com samba novo na cabeça, precisa cruzar com a Clementina.Cá embaixo, no centro do coração gelado do pontinho luminoso chamado Porto Alegre, pleno agosto, Mário Quintana abre a janela, olha para cima e dá uma piscadinha.Danados, pensa, que danadinhos. O dia parece tão cinzento que não resiste à tentação de escrever um poema. Bem curtinho, bem feliz. Entre lá e cá, girando e girando sem parar, feito louca.A Terra também não resiste. De puro gosto, fica ainda mais azul – você viu?(O Estado de São Paulo, 25/8/1987 – Pequenas Epifanias)

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