26 de outubro de 2006

O tempero da vida

Jung usaria a sincronicidade. Freud as pulsões. Eu, explico meu amor pela Grécia pelo simples fato de sua cultura, filosofia e história serem como um grande conto de fadas, porém, tudo faz sentido.


Os Gregos, embora hoje não sejam tão lembrados, é o povo mais sábio e intrigante que já conheci. E como dizia meu pai; “Há que se comer um saco de sal em companhia de alguém, antes de conhecer a pessoa de verdade.” Ora, muitos devem ter sido os sacos de sal que comi em solo ou mar grego.

Mais ainda, foi o tempo que passei lendo sobre este país que encontra beleza e filosofia em tudo.


Muito do que somos ou pensamos hoje veio deles, do povo que já usava a mente em 1500 ac.
Deixemos de lado (por enquanto), parte do fascínio deste povo, para focar na culinária.

Eu, que já trabalhei de chef, garçonete e até hostess em restaurantes de NY, adoro os segredos da culinária.
Vivo um pouco, como no filme Como Água para Chocolate, levo a sério o que comemos.

E foi em Mikonos, numa casinha branca, que descobri a paixão visceral pela coalhada seca. Até aquele verão, alguns anos atrás, acreditava que a coalhada era um prato árabe ou libanês.


Zia Hamsssa, uma senhora cheia de vigor como dizem os gegos (obesa e muito alegre, diríamos), ensinou que foram eles, os gregos, ou helenos como era conhecido todo o povo que falava grego,mesmo que não vivesse na Grécia, que deu origem a muitos outros povos.


Como a Grécia é um aglomerado de ilhas, ficava muito difícil trazer e manter alimentos frescos. Os homens, sábios filósofos, criadores de fundamentos de justiça e liberdade individual ainda hoje respeitados, precisavam alimentar sua alma e seu intelecto. Sábios, acreditavam que a hora das refeições era sagrada, deveria ser também um momento de discussão, de compartilhar idéias e sentimentos. De aprender com os outros.


Um grego nunca, jamais, come sozinho. A maioria das comidas gregas, são feitas em grandes porções. As refeições, banquetes com muita variedade de sabores e perfume. Esta é mais uma lição. Embora a mesa esteja sempre farta, não devemos comer além do que precisamos, a gula, é o pecado dos egoístas. Os sábios escolhem com calma o que comer, matam a fome do corpo e depois, com o vinho e os amigos, matam a fome do intelecto. A luz do conhecimento, já contava Platão em um de meus mitos preferidos, o mito da caverna, é a maior fonte de prazer, mas pode cegar os “ignorantes”, mas isso já é assunto para outro post.


A tradição da comida e da música é coisa séria para os gregos. “A música, minha filha, alimenta a mente e dá equilíbrio. A comida é sagrada, abençoada por Zeus ou por Hades (deus do inferno), depende de quem cozinha, por isso, ninguém coloca a mão na minha comida sem pedir permissão. A coalhada seca é a base de tudo, pura, nutritiva, porém forte e com personalidade, como os gregos.” Dizia uma Zia Hamssa já com as bochechas vermelhas de tanto mexer o caldeirão de leite.


E foi assim, em meio a deuses e tradições, que começou o que hoje chamo de coalhadoterapia, ritual de um dia e duas noites até que fique pronta a coalhada e quem a prepara.
Ontem, ao som de música e cheia de idéias na cabeça, comecei o preparo da comida dos deuses. Como de costume, começo numa noite inspirada, de preferência com céu estrelado. Todas às vezes, lembro do rosto rosado e sempre feliz da Zia Hamssa, afinal tudo o que sentimos enquanto cozinhamos passa para a comida. Durante dois dias, esqueço de todo o meu ceticismo.


A cada passo, uma lição. A cada gota de soro que escorre pelo ralo da pia, mando junto um problema. Assim aprendi o segredo de uma tradição milenar. Amanhã, coalhada pronta, amigos reunidos, narguilé, vinho, musica e muita alegria enquanto comemos a coalhada e falamos da vida.


Assisti, já faz muito tempo, um filme que me fez lembrar da Zia Hamssa, ela era como o avô da personagem do filme "O Tempero Da Vida".

6 comentários:

André disse...

Giovanna, esse filme é ótimo, adorei a maneira em que é descrita a "personalidade" dos temperos em meio às idas e vindas da família entre a Grécia e a Turquia. A Hélade é uma lugar que quero muito conhecer (além da Índia). Parabéns por este texto e pela oportunidade em compartilhar conosco o prato dos deuses. Evoé!

bruni... disse...

... é a segunda vez consecutiva que leio esse post. Muito interessante...
Tenho vontade de conhecer outros paises... A Grécia deve ser fantástica, em todos os sentidos...
Sempre gostei de coalhada, mas “seca”, nem imagino como é...
Gostei da frase de seu pai... Eu não gosto de comida salgada, se fosse só eu e mais uma pessoa, iria ter muito tempo pra conhece-lá...rs
Vou assistir esse filme, “O tempero da vida”... Depois conto o que achei...
Sobre o topo!!! Obrigado digo eu...

Jade disse...

nossa...
vc falou tão bonito q me deu uma vontade louca de conhecer a grecia...

Lídio disse...

Viva a Grécia, então!!

Vc escreve bem!
Meus parabens!

Até

Anônimo disse...

Muito bom o texto e adorei. Parabéns pelo teu blog e vc escrebe ótimos textos. Até mais.

Anônimo disse...

Moça,

Não costumo gastar tanto tempo lendo textos grandes, mas o seu...
Adorei todo o seu blog, escreves divinamente,meus parabéns,

beijos,

Jorge